Dia de trabalho
Tenho uns sapatos que só uso às vezes. Nos outros dias ando com os outros e em casa ando sempre com os mesmos. Regresso a casa sempre pelo mesmo caminho. Gosto de sair quando já é noite. Gastar o dia com o sentimento do dever cumprido e deitar-me no sofá com a consciência tranquila por nada mais fazer. Anulamos as nossas vidas assim, forçamos desculpas para não ter de pensar. Atordoamos o nosso pensamento. Entorpecemos o nosso corpo em cadeiras à frente de máquinas. Tudo para ontem, já devia estar feito!...Feito! Qual é o próximo?!
Cheguei finalmente a casa, cheio de fome.
Tinha um saco de plástico em cima do micro-ondas. Abri. O pão fatiado já tinha bolor branco e verde. Tirei. Abri a torradeira com fio revestido a tecido com padrão preto e branco. Liguei a ficha preta numa tomada no centro de um azulejo preto. Pus. O pão na torradeira. Fechei. Esperei. Abri. Pus. A manteiga no pão. Comi. A torrada da mão para a boca. Mordi. O pão queimado nas bordas fez o barulho que as pessoas normais fazem a comer as meias torradas nos cafés. Só me faltava a meia de leite. Sai dali. As meias tinham espinhos em forma de migalhas pontiagudas de pão torrado. Entrei. No quatro. Voltei a dormir. Na cama. Engoli o último pedaço de pão já na posição horizontal. Com dificuldade, um pedaço grande e áspero raspou-me o esófago para se instalar no estômago quase vazio. Dormi. Nos lençóis desprendidos da cama. Em cima de um colchão manchado com nódoas de manteiga.
Sem comentários:
Enviar um comentário