domingo, 22 de julho de 2012

Decorridos dez longos anos, este jardim na frente da casa era já um grande pomar de nêsperas, que se aviam multiplicado como cogumelos a brotar num pinhal húmido e abandonado. Dez anos, exactamente dez anos, nesse dia 31 de Abril. Dez anos precisos. … Sobrara-me apenas um terraço nas traseiras da casa, menos ensolarado mas agradavelmente fresco nessas tardes de suores corrosivos de Agosto. Era o meu sítio preferido para ler. Aproveitando a sombra do telhado, na parede branca de cal, estava uma osga. Grande e gorda. Dei-lhe então com o cabo de uma vassoura. Cortei-lhe o rabo. O rabo fugiu e o torso e a cabeça ficaram a espernear. Um fio de sangue levemente azulado e uma goma rosa clara impregnaram então as frestas de pedra do chão do meu terraço. Em silêncio. Muda por morrer. De olhos abertos e com as ventosas bem presas ao chão. Não consegui tirá-la. Usei mil e um produtos abrasivos. Ácido muriático, umas espátulas velhas que o pintor tinha deixado, Sonasol Verde Amoniacal, uns pingos de WC Pato para ajudar. Nada. Atolei então o terraço com uma camada de terra quase a transbordar a soleira da porta. Preenchi até o seu nível raspando as franjas mal cortadas da rede verde que pus para os gatos não saírem. Tinha tornado o meu terraço num canteiro gigante. Reguei a terra. O cheiro a húmus era o melhor perfume que poderia desejar. Tinha agora o espaço que ansiara para fazer a minha horta biológica. Plantei as primeiras alfaces, couves e beterrabas, tomando em atenção as consociações e as alelopatias.

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