sábado, 1 de maio de 2010

Síndrome pré-alzeymeriano


Passados estes anos todos voltei a ver a lua de dia. A última vez que reparei nela deve ter sido quando cheguei à conclusão de que as nuvens não eram azuis. Devia ter uns 4 anos e até ai nos desenhos que fazia as nuvens eram azuis sobre o papel branco. O olhar atento para o céu levou-me a concluir que era o inverso. Deixei-me dos desenhos dos céus porque cheguei à conclusão de que levariam à ruína os meus lápis azuis. Passei a desenhar caras. Começava sempre por desenhar o nariz (ainda hoje é assim), e o meu desenho começou conscientemente a afirmar-se pelas linhas. Esse interlúdio fez-me esquecer que também podemos ver a lua de dia. Fez-me esquecer as formas e criaturas fantásticas que imaginamos nas nuvens quando somos novos. O encanto das nuvens perdeu-se contudo por outros motivos. Tive uma grande decepção quando numa das primeiras visitas à Serra da Estrela cheguei à conclusão que não constituíam um objecto palpável, dada a facilidade com que o carro as atravessava na estrada de acesso à Torre. O céu deixou de ter significado para mim e o facto das nuvens não constituírem um objecto físico em si mesmo deixou cair por terra a ideia que me tentavam meter em casa sobre a ida das pessoas para o céu no momento da morte.


A vida prosseguiu e o saber (que dizem que não ocupa lugar) foi atafulhando todos os lugares do meu cérebro à medida do processo de aprendizagem. Atafulhei-o o mais que pude!…Tanto atafulhamento teve os seus efeitos secundários. Comecei a sofrer do sindroma pré-alzeymeriano.



No outro dia dirigir-me para tocar um jarro de cerâmica para ver se existia. Sempre deve ter estado ali, mas tinha-me esquecido que existia. Parecia trazido de casa de outra pessoa e alguém o tinha posto ali. Acontece-me o mesmo com os bidés. Olhei para um e estive que tempos a pensar para que servia. Todos os dias ia aquela casa de banho e tinha-me esquecido que existia. Os lapsos de esquecimento foram tornando-se graves, o que com a minha idade começa a ser preocupante. Não consegui dar o nome a um animal que aprecia num programa de vida selvagem. Tinha-me esquecido que existiam girafas!... Eu, que em pequeno tinha bonecos de borracha de tudo e mais alguma coisa…



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