domingo, 11 de abril de 2010

Relato de um dia igual

Saltei com a unha do polegar dos dedos grandes dos meus pés a raspar na borda da pedra molhada, depois das polpas dos mesmos apertarem a carne dilatada na berma da lajeta. Rasguei a pele da água com a derme secada do sol do meu crânio, o corpo baixado no turvo plano azul… curvo acima para voltar, lançando a força num impulso para os braços nos 360º da mariposa. É assim que gosto de entrar na água por baixo deste sol de Agosto, o cloro enche-me as narinas e escorre do cabelo quando chego ao extremo da piscina. Nado até me sentir tonto para sair e me deitar de costas na toalha. As pontas amarelecidas da relva mal cortada dão-me a confirmação de já estar em terra. Consigo não pensar em nada a não ser tirar a água dos ouvidos. A respiração e o batimento cardíaco ainda não voltaram ao normal. Gosto quando consigo ouvir o bombear do sangue no coração transmitindo a sua força para o pano turco da toalha molhada na relva…transmitindo-a depois para o ouvido deitado, à medida que o vácuo deixa de o ser e faz lançar a água para fora. Respiro. Levanto-me para voltar à cadeira de onde havia saído há pouco. Nesta piscina há sempre uma cadeira laranja onde gosto de me sentar sempre que posso. Virado para o sol. Nessa tarde olhei-o intensamente até me dilacerar a vista. Ceguei a minha sede de calor franzindo os olhos para expandir os raios cortando o céu deste Setembro azul. As gaivotas cansadas ficam também a aproveitar os seus restos nas telhas ainda laranjas. Caiu a noite. Regresso com a certeza de um amanhã igual. Sem nada de bom e sem nada de mau. Um dia de pássaro, igual. Voar dos telhados para a água dos lava-pés, com horas determinadas. Um compasso de espera evitando as manadas de pombos instaladas nos topos dos telhados laranjas. As gaivotas afastam-se. Respiram e voam para baixo, planando em círculos e lançando as patas antes de rasparem a terra. Alguém as tenta enxotar com as palmas das maõs a bater uma na outra. O bater de asas implusiona o regresso ao telhado. Esperam em grupos o chegar da noite. A esta hora já estou a aquecer o jantar. Igual ao almoço e ao jantar de ontem. Prepara-se uma noite igual para um dia igual, sem nada de bom e sem nada de mau.


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